Fila de adoção em Campinas tem 829 novos pretendentes em uma década, mas cadastros caem após pandemia
25/05/2025
(Foto: Reprodução) Número bateu recorde em 2019, mas enfrentou oscilações desde a Covid-19. Especialista cita impactos deixados pelo coronavírus, insegurança econômica e desinteresse da população em ter filhos. À esquerda, Karin Elisabeth e Allan Cláudio com a filha Vitória Sofia. À direita Thalita Matos e seu marido, que ainda vivem à espera
Arquivo Pessoal
Ao longo de 10 anos, 829 famílias entraram para a fila da adoção em Campinas (SP). Os dados foram enviados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a pedido do g1, e mostram uma queda no número a partir de 2020, após a pandemia da Covid-19.
A volume de novos pretendentes cadastrados no Sistema Nacional de Adoção (SNA) em 2024, por exemplo, foi terceiro menor desde 2014 (veja o gráfico abaixo). Já o ano com o maior índice foi 2019, justamente no período pré-pandêmico.
Além dos impactos provocados pelo coronavírus, especialista ouvida pela reportagem também aponta a insegurança econômica e a queda no interesse da população em ter filhos como agravantes para a diminuição no número de interessados.
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Apesar disso, o balanço revela que do total de novos inscritos ao longo desse período, considerando os cadastros em 2025, 251 ainda esperam encontrar uma criança ou adolescente para acolher de forma definitiva como filho.
São pessoas como a Thalita Matos e o marido, que vive à espera do primeiro filho desde 2020. Além da ansiedade, o casal ainda precisa encarar os preconceitos de quem não reconhece a adoção como uma forma legítima de aumentar a família.
👨👩👧 No Dia Nacional da Adoção, celebrado neste domingo (25), o g1 mostra os números da fila da adoção na metrópoles, mostra os relatos de quem já a enfrentou e traz detalhes de como funciona o processo. Confira todos os detalhes abaixo:
A fila de adoção em números
O que explica a queda
Os relatos de quem espera
Como entrar na fila de adoção
A fila de adoção em números
Em 2019, a cidade bateu recorde no número de novos processos de adoção. Foram 104 famílias cadastradas. Quando comparado com o ano seguinte, porém, houve uma queda de 46,1%.
De 2020 a 2022, em meio à recuperação gradativa da pandemia, cresceu em 66% o total de famílias no processo. Mas, a partir de 2023, voltou a cair para 75, chegando a apenas 57 cadastros em 2024.
Entre os anos de 2022 e 2024, a queda no número de pessoas cadastradas foi de 38,7%, segundo os dados enviados pelo CNJ.
Insegurança econômica e queda na taxa de natalidade
De acordo com Mônica Gonzaga Arnoni, juíza assessora da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo (SP) (TJSP), houve uma queda no número de adoções de forma absoluta em todo país, não apenas na metrópole.
Ela pontuou algumas questões que podem estar associadas a esse declínio. Entre elas estão a insegurança econômica das famílias e a queda na taxa de natalidade, o que demonstra o desinteresse das pessoas em terem filhos de modo geral.
"A questão de economia, de as pessoas terem um pouco de receio por conta das mudanças econômicas e tudo mais", comenta. A juíza explica que a redução de pessoas cadastradas também tem relação com as mudanças na sociedade.
Segundo Mônica, hoje, muitas pessoas tem como opção não ter filhos. "A maioria dos nossos pretendentes são pessoas, sejam homens, sejam mulheres, que não conseguem gerar filhos biológicos, né?"
"A gente tem percebido que em relação, inclusive em relação a mulher mesmo, de não ser mais uma opção. Então, se eu não consigo gerar o filho, eu também não vou, não quero ter o filho [nem adotivo]", relata Mônica.
E isso acaba sendo perceptível em todo o país, como mostram os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Brasil teve, em 2023, o menor número de nascimentos desde 1976.
Naquele ano foram registrados 2.518.039 nascimentos no país, um recuo de 0,8% em relação a 2022. Foi a quinta queda consecutiva. Para comparação, em 1976 foram 2.468.667, e, em 1977, 2.566.020.
O IBGE destacou, no entanto, que os dados da década de 1970 podem estar subestimados, devido à maior subnotificação de nascimentos naquela época.
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Expectativa da tão sonhada ligação
Thalita Matos e seu marido vivem estão na fila de adoção à espera do primeiro filho
Arquivo Pessoal
Apesar da queda no interesse em ter filhos, ainda há muita gente que vive esse sonho. Thalita Matos e o marido convivem com a expectativa à espera do primeiro filho, por meio da adoção, há cinco anos. Eles deram entrada na documentação e fizeram o curso em 2020.
"Eu sempre quis ser mãe. Quando a gente começou a namorar, a gente começou a falar justamente a respeito da adoção. A gente começou a conversar sobre isso", relata a pedagoga.
Thalita chegou a engravidar nesse período, mas acabou sofrendo um aborto. No entanto, conta que mesmo sem ter problemas de fertilidade e com a possibilidade de ter um filho biológico, ela não desistiu de dar continuidade na papelada para adotar.
"A gente ficou contente com a experiência e a gente acreditava que era um privilégio de poder gerar com o ventre, mas também gerar com o coração, né?", relata a pedagoga.
A habilitação veio em novembro de 2024, uma semana após a perda gestacional. Apesar de ainda não terem recebido a ligação com a notícia sobre a chegada de uma criança, Thalita já chegou a ouvir comentários preconceituosos sobre o assunto.
"Eu acabei escutando algumas pessoas que falaram assim: 'ah, cuidado, hein. Você vai adotar? Ah, você viu o que viu no jornal o menino adotado que matou a mãe e o pai?", conta.
Enquanto aguardam na fila, o casal acredita que a espera faz parte. "A gente fala que tem planos que são dignos de espera, sabe? Então, um filho, uma família, é digno de espera. Então por isso que a gente entende", finaliza.
Onze anos de fila de espera
Karin Elisabeth com sua filha Vitória Sofia na praia
Arquivo Pessoal
Karin Elisabeth Földes de Araújo, de 48 anos, professora de português e inglês, e seu marido Allan Cláudio de Araújo, também viveram essa expectativa. Foram 11 anos de espera desde que entraram no processo de adoção.
A família começou o processo em 2012, mas a habilitação – quando a pessoa cadastrada está de fato na fila – veio dois anos depois, em 2014. "A gente entrou na fila, demorou 9 anos. A gente brinca, não foram 9 meses, foram 9 anos, né?", conta.
Para a família, o processo aconteceu de forma tranquila. Apesar de terem começado o curso e as entrevistas, eles sabiam que poderia demorar. "Deu 2019, aí entrou na pandemia. A gente sabia que ia demorar mais por causa da pandemia".
"Eu acho que foi algo que também quando tudo começou a voltar ao normal, que a gente voltou a pensar: 'poxa vida, né. Agora eu acho que tem que vir'. E logo também já veio, então a gente não teve muito esse processo de ansiedade", conta Karin.
Como a família optou por adotar uma menina de até dois anos, branca e sem deficiência física, a finalização do processo só aconteceu em 2023. Foi quando Vitória Sofia, à época com 1 ano, chegou ao lar como integrante da família.
Hoje, a pequena está com 3 anos e o casal pretende continuar um outro processo de adoção para adotar outra criança. Agora, a família quer uma filha um pouco mais velha, de aproximadamente 5 anos, para acompanhar a irmã.
Como entrar na fila de adoção?
👨👩👧 Primeiros passos e documentação
Embora o processo de espera seja chamado de "fila", Mônica explica que se trata de um cadastro, que pode ser feito por qualquer pessoa que tenha 18 anos ou mais. Para se inscrever, não importa estado civil, sexo ou classe socioeconômica.
"O pretendente se dirige à vara mais próxima da infância do domicílio dele, leva alguns documentos e dá início a um protocolo em que ele já recebe um número que vai fazê-lo entrar nesse Sistema Nacional de Adoção", explica Mônica.
A juíza explica, no entanto, que ter o número de protocolo não quer dizer que o candidato já está inscrito. Isso apenas significa que ele poderá acompanhar como anda o processo.
Os documentos necessários para conseguir uma habilitação na vara são:
Fotografias dos pretendentes, além das fotos da parte externa e interna da residência em que moram;
Cópia dos documentos pessoais, como carteira de identidade, CPF, certidão de casamento, caso seja casado, ou certidão de nascimento (as certidões devem ser de expedição recente);
Comprovante de residência;
Comprovante de rendimentos ou uma declaração equivalente;
Atestado ou declaração médica de sanidade física e mental;
Atestado de antecedentes criminais;
Certificado de participação em programa ou curso de preparação psicossocial e jurídica.
👨👩👧 Preparação e perfil pretendido
O curso preparatório é organizado pelo Juízo da Infância e da Juventude e por suas Seções Técnicas de Serviço Social e Psicologia. "O pretendente preenche uma planilha, eu falo que é uma planilha bastante cruel. Ele tem que colocar ali especificidade sobre o filho que ele quer ter, né? Sobre a criança que ele pretende adotar".
"Então coisas básicas como idade, cor, sexo, e coisas mais específicas e até mais subjetivas como doença, doença física, doença física leve, doença psíquica grave, que isso pode ser bastante subjetivo, por isso que eu falo que é bastante cruel preencher essa planilha", conta a juíza.
Após a entrega da documentação, o pedido será registrado e o pretendente receberá uma numeração. Nessa etapa é necessário aguardar que o cartório ou o setor técnico entre em contato para enviar o número do processo de habilitação.
👨👩👧 Entrevista na Vara da Infância
Posteriormente, haverá um agendamento da data para que a pessoa compareça à vara para a primeira entrevista. Nela serão realizadas as avaliações técnicas de estudo social e psicológico, além das orientações sobre o curso preparatório que é obrigatório.
"Nesse curso preparatório, ele vai ter informações sobre o processo em si. Então, a preparação jurídica, mas também uma preparação sobre a própria adoção e as crianças que estão disponíveis para a adoção."
Logo após a finalização do curso, o processo é enviado para o Ministério Público para avaliação. Depois da análise, vem a decisão do juiz, que vai comunicar a sentença.
👨👩👧 Pronto para adotar, dentro da fila
Caso a sentença seja favorável, o candidato estará apto para adotar. Em seguida, é necessário aguardar o cruzamento das informações até que a Vara da Infância e Juventude entre em contato para informar sobre a possibilidade de aproximação e, então, o estágio de convivência.
Nesta etapa se inicia o período de adaptação. O pretendente passa a ter a guarda provisória da criança ou adolescente e, só após esse momento, pode finalmente levá-lo para casa de forma definitiva. Esse estágio acontece de forma variável, sendo cada caso definido pelo juiz responsável.
Com a finalização do passo a passo, o setor técnico responsável apresenta um relatório para o Ministério Público e, em seguida, os pais podem providenciar a nova documentação e registrar o filho.
De acordo com juíza, todo o processo leva, em média, 5 anos (isso levando em conta a adoção de crianças de até dois anos, brancas e sem nenhum tipo de deficiência ou doença). Além disso, vale ressaltar que os documentos necessários e etapas da adoção são gratuitos.
Os detalhes de todo o processo podem ser acessados pelo site do TJSP clicando AQUI.
*Estagiária sob supervisão de Yasmin Castro.
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